segunda-feira, 5 de março de 2007


“...Histórias que nos contam na cama antes da gente dormir...”

E o sono de Ana sempre chegava antes do fim da história - A menina andava na beira da praia recolhendo espelhos partidos, conchas amarelas e estrelas de cinco pontas. Chamava-se Ana, a menina de cândida doçura. As ondas induziam cavalos-marinhos a fazerem cócegas nos seus pés. A maré mudava de acordo com o relógio biológico dela. E os pescadores das redondezas costumavam consultar o horóscopo da menina antes de conduzir suas embarcações. Corria a boca pequena que a paixão do Mar por Ana sincronizava o ritmo e o som das águas. Era realmente um atrevimento, um despautério aquele caso de amor. Ninguém concordava ou achava possível que aquilo pudesse ter um final feliz. Num dia de sol e chuva, a menina subiu na pedra mais alta, tirou o relógio e mergulhou nos braços azuis do seu amado. E o encontro de Ana e Mar foi como sal e doce se sobrepondo na mais inesperada combinação - E o sono de Ana sempre chegava antes do fim, na melhor parte da história que sua mãe insistia em lhe contar todas as noites.

“...Todo sopro que apaga uma chama reacende o que for pra ficar...”

Maíra Viana

Afinidade acontece. Um mesmo signo, um mesmo par de sapatos caramelo, um mesmo livro de cabeceira. Afinidade acontece entre seres humanos. A mesma frase dita ao mesmo tempo, o diálogo mudo dos olhares e a certeza das semelhanças entre o que se canta e o que se escreve. Afinação acontece. Um mesmo acorde, um mesmo som, uma mesma harmonia. Afinação acontece entre instrumentos musicais. A mesma nota repetidas vezes, a busca pela perfeição sonora e a certeza das similaridades entre um tom acima e um tom abaixo. A incrível mágica acontece quando os instrumentos musicais descobrem afinidades humanas entre si no mesmo instante em que os seres humanos descobrem afinações musicais dentro deles mesmos.

“...Quero a música rara, o som doce e choroso da flauta...”

E o mar gentilmente entregou a ele uma carta-convite. A garrafa viajou por sob ondas e ondas até chegar aos pés de seu destinatário. Já nos primeiros versos, ele foi tomado pela voz remota daquela que, num passado longínquo, lhe sussurrara todo amor e docilidade cabíveis na pedra mais alta. O rosto da remetente vinha-lhe à mente como o apagar-e-acender de um vaga-lume na escuridão. O olhar do destinatário bípede se fez saudoso no mergulhar das rimas desenhadas pela remetente, de olhar cerúleo e escama alva. O amor, até então retido no poço fundo de seu coração, veio à tona. E o mar gentilmente levou até ela a canção-resposta.

“...Quero você inteira e minha metade de volta...”