** A FLOR E O VENTO **
Adaptado de uma Lenda Viking: Fernanda Guimarães & J.B. Xavier
O Vento rolava no penhasco, e depois de tocar o oceano, atirando-o contra o rochedo, elevava aos céus o espumaredo. Então subia em desespero a escarpa, onde no mais alto de seus promontórios, no tronco do velho carvalho, pendente sobre o abismo, a orquídea o aguardava entre sorrisos de amor.Podia-se sentir a fragrância que dela emanava, quando as primeiras luzes da manhã, acarinhavam suas pétalas. Seus matizes atraíram os olhares do vento, desde a primeira vez, quando viu o sol deitar-se sobre ela, atiçando ainda mais seu cintilar.
Como se isso fosse possível... Não se contivera em apenas fitá-la.
Rendido, aproximou-se, vestido de aragem, num primeiro momento.
Com sua mansuetude, despertou a atenção da linda orquídea.
O coração da aragem pulsou descompassadamente e sem que percebesse, transformou-se em vento, dada a emoção que em seu peito avolumava-se, quando em pensamentos, percebia-se em frêmito, ansiando aquela flor sempre tocar. Rodopiava faceiro, espalhando folhas, e num breve instante a abraçava em doido anseio, balançando suas pétalas brilhantes em acintosa felicidade, para o mar que bramia lá embaixo.
Ensandecido, o oceano, enciumado, alteava-se em ondas poderosas que despedaçavam a rocha, tentando alcançar a flor maravilhosa que há muito tomara seu coração, e, quando a via nos redemoinhos do vento, seu troar fazia tremer o penhasco e até o velho carvalho oscilava na beira do precipício.
O rugido do oceano era audível nos mais longínquos recantos do universo. Havia um agitar frenético que feria os ouvidos da natureza. Nessas ocasiões, o coração da orquídea batia assustado e gotas de orvalho, deslizavam gritando em suas pétalas aflitas. Átimos durava a felicidade do vento. Então ele partia, repetindo a agonia que era sua sina desde o início dos tempos. Buscava eternizar aquele breve contato, mas ainda que tentasse, jamais poderia permanecer. Enquanto se despedia, levava em suas mãos a fragrância da orquídea e assim, encontrava forças para cumprir sua missão. Seu destino era correr o mundo, viajar por terras distantes, assobiar no cume das dunas de desertos longínquos, percorrer bosques de eucaliptos perfumados e rodopiar pelos céus, dançando com as borboletas... Percorria o mundo inteiro, e, em suas alegrias, dispersava tempestades, levantava nuvens de poeira e farfalhava as folhas das florestas...Era a estação das festas. Mas, quando lembrava da gentil orquídea que aguardava seu retorno, seus sorrisos cessavam. Então, apressava o seu voar.
Avançava em linha reta, e como furacão, varria tudo que encontrava em seu caminho, sem que nada o importasse. Seu amor estava a aguardar! Era só nisso que pensava, e célere corria, quanto mais pressentia aproximar-se o seu chegar. Finalmente, apenas o oceano o separava de sua amada. Acelerava seu planar por sobre as ondas, e encapelando-as, em procelas as desfazia. Às vezes, brincava com elas, espalhando pelo céu suas espumas... Se nuvens negras barravam-lhe o caminho, expulsava-as de sua rota, devolvendo-as ao mar. Nada podia detê-lo...Os olhos do tempo faziam-no lembrar de que a orquídea já lhe abria pétalas de beijos, aguardando-o em sua alcova perfumada, com seus lábios umedecidos pelo orvalho. Turbilhões de inquietações o perturbavam, ao lembrar da fragilidade de sua doce amada. Nesse dia, tinha pressa, a saudade era atroz, e depois de uma volta ao mundo, vinha risonho, feliz e veloz...Havia algo de estranho, entretanto, desta vez! Lá no alto do promontório, o carvalho ele não avistou. Apenas viu um rochedo imenso, na fímbria do oceano, e lá no alto, o vazio, de onde havia se soltado... Ao seu redor, jazia o carvalho, despedaçado...
Galhos boiavam ao longe, folhas soltas esvoaçavam nessa triste e trágica paisagem...E sua amada, onde estaria? Foi então que ele a viu nos braços do oceano... Inerte, boiava sem vida, com as pétalas destroçadas, aos poucos sendo empurrada para o alto mar...Bramiu o vento um terrível rugido, próprio dos amantes em desgraça! Candidamente, rodopiou ao redor da amada, e transportou-a delicadamente ao alto do penhasco, onde a depositou com o desespero dos sonhos perdidos, sobre o tronco de um grande jacarandá. Depois chamou a si todos os pólens que transportava pelo mundo e semeou-os no mesmo galho, formando um lindo jardim...Como uma triste brisa, ele sobrevoou ainda por algum tempo o local onde deixara a amada, e depois, alçou vôo tempestuoso. Passou raivoso por sobre as colinas distantes, e, invocando os poderes de Odin, seu criador, desceu em impiedosa ventania sobre o oceano, atirando-o contra os rochedos, erguendo-o em torres d'água monstruosas, que subiam, sugadas por furacões impensáveis, que eram atiradas e espargidas aos espaços onde se pulverizavam, desaparecendo no horizonte.Por muito tempo ficou o vento a fustigar o oceano, até que, extenuado, foi embora, deixando no mar um rastro de espuma, último vestígio da luta dos titãs. Njord, o deus dos oceanos e Jord, a deusa da terra, foram chamados à presença de Odin que lhes ordenou jamais se envolvessem novamente em conflitos terrenos, porque, temia ele que nunca mais o vento e o oceano voltassem a ser amigos.
Mesmo assim, longe das vistas de Odin, ainda se pode ouvir o bramido da batalha surda, quando se encontram o oceano, o rochedo e o vento em algum precipício distante...
E, desde então, o vento vaga em solidão sussurrando entre os penedos, numa triste melodia, à amada, e, para que ela viva sempre em sua lembrança, por onde quer que passe escreve versos na aquarela dos sonhos daqueles que sabem reconhecer em seus sussurros, doces canções de amor...